É sabido de quase todos que o Capitão paraquedista do Exército, Jair Messias Bolsonaro, adota o slogan “Brasil Acima de tudo e Deus acima de todos”. Entretanto, pouca gente sabe as origens desse slogan. Passo agora a revelar alguns detalhes históricos e curiosidades sobre isso que aprendi em casa, servindo na tropa paraquedista e pesquisando.
Nasci em abril de 1965 em uma família de militares das três Forças Armadas; avôs, pai e tios. Meu avô materno e um irmão mais novo foram integrantes da FEB-Força Expedicionária Brasileira e combateram os nazistas na Itália. Meu pai e alguns tios eram paraquedistas do Exército e desde que me entendo por gente o mantra deles sempre foi “BRASIL ACIMA DE TUDO”.
Na década de 1970, quando eu era um menino, eu adorava acompanha-los até a Brigada de Infantaria Paraquedista para ver, saltos de paraquedas com aquela vibração e energia da tropa. A saudação ao entrar nas unidades paraquedistas se dizia “BRASIL” e a Guarda respondia “ACIMA DE TUDO”. Ao caminhar pelas instalações via-se estampado em várias paredes e documentos essa frase, que na época não tinha nada de slogan político, era apenas um brado nativista.
Os comandantes dos diversos escalões da tropa paraquedista até hoje costumam encerram sua fala à tropa dizendo “BRASIL” e a resposta em conjunto é “ACIMA DE TUDO”; com o tempo, a saudação entre os militares passou a ser a mesma. Tive o privilégio de servir nessa tropa a partir de 1989, quando também vivenciei essa dinâmica como integrante da tropa paraquedista.
O que a grande maioria não sabe é que as origens desse slogan remontam ao período após o dia 25 de julho de 1966, quando a explosão de uma bomba no Aeroporto de Guararapes-Recife desencadeou dezenas de atentados terroristas no Brasil, numa fases maior intensidade da Guerra Fria no mundo. Naquela época, um núcleo de oficiais paraquedistas idealistas passou a se reunir semanalmente para discutir a situação do Brasil. Tenho aqui em casa um dos livros de cabeceira daquela geração de jovens oficiais, “Os Centuriões”, de Jean Lartéguy, da Editora Bertrand edição de Portugal, meio chato de se ler (só foi publicado no Brasil quatro anos atrás pela BIBLIEX), recebi esse livro e outros do mesmo autor (Os Pretorianos, Os Mercenários, etc…) como presente das mãos do Coronel Operador de Forças Especiais Edson Alberto de Melo quando eu ainda era um capitão. Resumidamente, essa publicação narra a saga de um grupo de paraquedistas idealistas franceses desde os combates da Indochina até a Argélia. Ouvi dizer que um dos comandantes da Brigada Paraquedista chegou até a proibir esse livro porque estimulava muito a reflexão e contestação, mas nunca consegui confirmar isso.
Dessas discussões surgiu o grupo chamado “Centelha Nativista”. Além dos debates e estudos sobre o cenário da época, os oficiais ainda redigiram uma oração e uma carta de princípios/ mandamentos nacionalistas e não xenófobos. Alguns oficiais paraquedistas que serviam fora do Rio de Janeiro também auxiliavam a difundir os ideais da “Centelha Nativista”. Tive a oportunidade de conhecer alguns dos capitães criadores do grupo quando eu era criança e depois quando eu já era tenente/capitão paraquedista conversei pessoalmente com alguns. O entusiasmo daqueles paraquedistas levou à criação do lema “BRASIL ACIMA DE TUDO” e o próprio nome da “Centelha Nativista”. Numa fase seguinte, decidiram passar à ação, creio que algo quase impensável nos dias atuais, ultrapassando até mesmo os limites da hierarquia e da disciplina, mas nunca da moral e da ética. Alguns oficiais paraquedistas de destaque nesse grupo que meu pai chegou a participar brevemente foram: Francimá de Luna Máximo, Kurt Pessek, Adalto Luiz Lupi Barreiros, Dickson Melges Grael, Victor Pacheco Motta, Edivaldo José de Oliveira Santos, Mário Miquelino da Cunha Filho, José Aurélio Valporto de Sá, dentre outros.
No dia 4 de setembro de 1969, o Embaixador americano Charles Burke Elbrick foi sequestrado por terroristas da ALN e do MR-8. E intensão era forçar a libertação de 13 terroristas já capturados ou o diplomata seria executado. Discordando da negociação das autoridades que decidiram ceder aos revolucionários, os oficiais da Centelha tentaram, em uma ação armada independente, impedir a decolagem rumo ao exterior da aeronave que os levaria para a Argélia. Entretanto, não tiveram êxito porque a partida foi antecipada. Insatisfeitos com o insucesso, tomaram de assalto as instalações da transmissora da Rádio Nacional e fizeram a leitura de manifesto contra a Junta Militar, que governava o Brasil devido ao afastamento do Presidente Costa e Silva por motivos de saúde. Logicamente, foram todos presos e ameaçados de expulsão da Força Terrestre; mas a solução final do Inquérito Policial Militar que foi instaurado acabou por inocentá-los e foram considerados “jovens idealistas”.
Uma sequência de quarteladas se sucedeu a esse episódio como: recusa em desfilar no 7 de setembro, tentativas de colocar um Presidente quando o Marechal Costa e Silva ficou inválido, sublevar a Guarnição de Salvador, entre outras; mas não foram adiante porque o grupo não tinha prestígio nas FFAA e ainda era perseguido pela imprensa. Como resultado, algumas dezenas de militares paraquedistas foram para o “xadrez” e depois transferidos para longe, fazendo com que essas ideias nativistas se espalhassem por todo o Brasil.
Embora o brado ecoasse permanentemente dentro da tropa e nas famílias dos militares, o primeiro registro oficial de uso foi em 1974, na despedida do Gen Hugo Abreu, quando encerrou o discurso ao passar o comando da Brigada Paraquedista. Em 1975, em visita ao Fort Bragg (casa dos Special Forces americanos) o então Coronel Acrísio, Comandante do 26ºBIPqdt prestou atenção na saudação entre os militares “Air Born”, resposta “All the way”. Ao retornar, inovou com “BRASIL+ACIMA DE TUDO” em sua unidade. Em 1985, ao assumir o comando da Brigada de Infantaria Paraquedista, o General Acrísio Figueira oficializou o que já vinha acontecendo e determinou que passasse a ser o brado definitivo da tropa aeroterrestre do Exército Brasileiro, o que permanece até os dias atuais.
Alongando um pouco essa conversa, desde meus tempos de tenente paraquedista percebi que o segmento evangélico sempre ficou muito incomodado quando, durante as corridas alguém puxava “BRASIL ACIMA DE TUDO”, imediatamente sempre aparecia alguém dizendo “ABAIXO SOMENTE DE DEUS”; provavelmente o Bolsonaro também se lembrava disso. A grande sacada dessa campanha foi ter conseguido acomodar complementado com “DEUS ACIMA DE TODOS”, que passou a ecoar também nas corridas dos militares.
Se quiserem mais detalhes podem olhar nesse link abaixo do Centro de Instrução Paraquedista General Penha Brasil, onde são formados os paraquedistas militares do Exército Brasileiro.
por Coronel Fernando Montenegro
Comandou a Ocupação do Complexo do Alemão / Operador de Forças Especiais do Exército / Professor/ Jornalista